Já pararam pra pensar pra onde estamos indo?
Pra onde vai nossa memória
depois que ela morre?
Pra onde vai a música depois que nossos silenciosos ouvidos
as engole?
Pra onde vai a tristeza não chorada?
Pra onde vai o prazer depois do orgasmo? Vai para o sangue,
pele, coração ou para as teorias de atração da física quântica?
Para onde iriam as teorias religiosas sobre o paraíso se os
homens conseguissem enxergar a magnitude dos mares, flores, vulcões, sementes e
mulheres bem aqui neste mundo? Será que, finalmente, chegariam ao paraíso sem
ter que morrer para enxergá-lo de olhos fechados?
Para onde vai toda a gente na rua? Estão a andar em
círculos?
Para onde vai a ideia errada depois de criada a ideia certa?
Para onde vai o amor
depois que acaba? Que grande dúvida, o amor foi criado para durar pra sempre,
dizem os homens, mas por que uma hora ele nos abandona? Pra onde ele vai?
E os abraços que
nunca pudemos dar, pra onde vão? Ficam presos em nossos braços causando tensão
nos ombros ou ficam eternamente debaixo de nossa perecível pele tentando
cobrir-se do frio do solitário mundo sem abraços?
E então, pra onde estamos indo? Pra onde iriam o masculino e
feminino se finalmente se compreendessem por completo? Seus corpos se
transformariam e virariam um só como no inicio dos tempos?
Pra onde iria o tempo
se parássemos os relógios?
Pra onde vai o adeus depois do último encontro? Será que ele
senta em um banquinho escuro dentro da alma e fica lá esperando que alguém o
resgate dele mesmo?
Incrível como nada nem ninguém pode nos dar respostas para
quase todas essas perguntas! Nem o físico mais aplicado; nem o pastor mais
devoto; nem o pássaro mais livre; nem os amigos mais confiáveis; nem o beijo
mais amoroso; nem mesmo o confuso e esperto filósofo. Não há o que fazer!
Vivemos uma vida cheia de ausências e respostas, e por isso
mesmo infinita em possibilidades.
"Se lembra quando você era criança. Tudo era rima e verso,
folha de bananeira curva dava pra ser telhado. Não tinha pó de giz que não
virasse estrela. Caldo de cana era cerveja, brigadeiro era combustível pra
cantar poeira. Silencio era música, ouro era besteira.
Se lembra, quando papel era pano de fundo pros sonhos,
quando café da mãe era sinal de preguiça. Quando o toque do sino era avó
rezando ave maria, quando depois do almoço não tinha desculpa pra papear com o
sono.
A vida segue chamando a gente pro tempo que vontade não
tinha significado, que sonho era guardar umas moedas pra comprar uns doces de fim de tarde. A vida anda
chamando a gente pra aproveitar os silêncios.
As músicas dos trilhos, os lugares onde não há quem fale
nada. As nossas capelas mais frequentadas são as solidões, os dias vazios, as
orquestras são feitas por musgos e as melodias pelas gramas cantadas por
pássaros. Tem também os sons dos pombos nos asfaltos. Às vezes dá pra ouvir o
timbre que tem o pensamento flutuando de assunto em assunto dentro da nossa
mente.
A vida sempre vai dar seu jeito de chamar a gente pra esses
lugares. Aonde a xícara de âmbar é o lugar mais bonito da casa, com leite
fervido na hora, a nata esfriando no topo, o café dançando seus trajes de
perfume pela casa. O sol amansa o dia lá fora, as canções mais distantes que se
ouvem é um vento frio andarilho no capim selvagem. As pálpebras pesando logo
cedo, a vontade de correr pros braços da mãe, seus dedos avaliando os olhos
enquanto dão gratuitamente um minuto de assunto pro coração.
No fundo a gente sempre vai voltar pras esquinas frias de
domingo, ou pro cobertor quentinho, ou pro mingau de farinha. O que a gente não
entendeu ainda é que nessa vida nossa missão é conservar a gente menino,
enquanto as roupas encolhem. Enquanto os espaços estreitam, enquanto a vida vai
recolhendo o que a gente acha que é nosso.
Nosso mesmo é só o menino, ou menina. Que corre e sapateia
no vento. Coroa o santo na igreja de arruda, coloca flor no pensamento dos
pais, fala com as estrelas a noite, com medo da imensidão do universo.
Reconhecendo a pequenez de si mesmo. Sem julgamentos.
A nossa vida sempre dará um jeito de nos chamar pra fora,
sempre que a gente se ver inquieto de tudo. É que no fundo, ser adulta não é
nossa sina.
Fazer poesia com as mãos enquanto a gente anda é o que nos mantém
vivos. Tudo que fazemos no fundo, tem o
tom da brincadeira na frente do ventilador. Tem a luz acesa que mais parece a lua,
tem a vontade imensa de resultar numa gargalhada.
Se assim não for, não faz sentido ser quem se é. Tire suas
máscaras, no fundo somos as mesmas crianças de sempre, descobrindo o mundo todo
dia. Só esticamos um pouco, pra caber em outras memórias."
bell
https://www.youtube.com/watch?v=SlPhMPnQ58k
fonte: obvius - rafaela werdan e hirophant - clarissa Câmara