Houve um tempo em que
minha janela se abria
sobre uma cidade que
parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia
um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de
estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia
morto.
Mas todas as manhãs
vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia
atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era
uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as
plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e
meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela
e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro
nuvens espessas.
Avisto crianças que
vão para a escola.
Pardais que pulam pelo
muro.
Gatos que abrem e
fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas,
duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre
me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo
canta.
Às vezes, um avião
passa.
Tudo está certo, no
seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto
completamente feliz.
Mas, quando falo
dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é
preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
Cecília Meireles
"...eu quero um punhado de estrelas maduras, eu quero a doçura do verbo viver..."
"... Continuo porque é o que resta. Aprendi que se a gente não levar a vida, ela nos leva de qualquer jeito."
Caio Fernando Abreu
https://www.youtube.com/watch?v=w-WxWv5RgEc